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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Nancy Kerrigan vs. Tonya Harding (1994)

por Paulo Neto



Em 1994, a pequena cidade norueguesa de Lillehammer recebia os Jogos Olímpicos de Inverno, os primeiros a terem lugar num ano diferente dos Jogos de Verão. Como os Jogos de Inverno costumavam ser eclipsados em termos de visibilidade pelos de Verão em cada ano olímpico, esta decisão do Comité Olímpico Internacional permitiu que todo o mundo prestasse mais atenção aos desportos de Inverno. Um número recorde de países participaram, incluindo Portugal, representado pelo esquiador luso-francês Georges Mendes, e uma Bósnia-Herzegovina ainda em guerra, com uma equipa multi-étnica de bobsled. Lillehammer engalanou-se para receber os Jogos e criou uma atmosfera de lugar encantado que cativou atletas e visitantes, e ainda hoje muitos consideram os melhores Jogos Olímpicos de Inverno de sempre. Porém as atenções da comunicação social, sobretudo nos Estados Unidos, nos Jogos de Lillehammer estavam maioritariamente centradas na patinagem artística, devido a uma controvérsia que tinha como protagonistas as americanas Nancy Kerrigan e Tonya Harding.


Depois da retirada de Kristi Yamaguchi, após esta ter-se sagrado campeã olímpica em 1992, Kerrigan e Harding disputavam agora o trono da rainha da patinagem americana.
Tonya Harding era a rebelde, totalmente fora das convenções do mundo da patinagem: tinha origens pobres, que até se podiam mesmo considerar trailer trash, fumava, caçava, pescava e sabia de auto-mecânica e de snooker. Porém as suas capacidades atléticas permitiram-na singrar na modalidade, sobretudo devido à qualidade dos seus saltos. Foi a primeira americana (e a segunda mulher) a executar um triplo axel em competição. Em 1991 foi o seu ano mais bem-sucedido, sagrando-se campeã americana e vice-campeã mundial.
Nancy Kerrigan era a menina bonita: também não vinha de um meio rico, mas com os sacrifícios dos pais e o apoio da sua comunidade conseguia fazer face aos custos da prática da modalidade. Os seus esforços seriam recompensados em 1992 com uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos e uma de prata nos Mundiais. Elegante e graciosa, Kerrigan encaixava-se muito melhor na imagem convencional de uma estrela de patinagem artística do que Harding, e como tal, conseguia receber mais patrocínios e financiamentos do que a sua rival. Talvez por isso e por acreditar que só um triunfo olímpico conseguiria mais dinheiro e que Kerrigan estava no caminho, Tonya Harding acabou por recorrer a um método banditista.


A 6 de Janeiro de 1994 em Detroit, um pouco antes dos campeonatos nacionais, Nancy Kerrigan foi agredida entre o joelho e a canela por um cassetete o que a impediu de competir enquanto Tonya Harding venceu. Mais tarde veio-se a saber que o agressor, Shane Stant, tinha sido contratado por Jeff Gillooly, o ex-marido de Harding. Apesar do divórcio, Gillooly e Harding continuavam na altura a viver juntos. Como tal, houve logo suspeitas de que Harding estivesse de certa forma envolvida na agressão, embora esta negasse qualquer conhecimento dos planos.


A lesão de Kerrigan acabou por não ser tão grave e foi-lhe atribuído um lugar nos Jogos Olímpicos caso recuperasse a tempo, o que veio a acontecer. Sendo assim as duas rivais seguiram para Lillehammer, com os media americanos a segui-las a par e passo. Nancy Kerrigan ganharia a medalha de prata, perdendo apenas para a ucraniana Oksana Baiul. O bronze foi para a chinesa Chen Lu.


Tonya Harding foi apenas oitava, não sem antes causar outra controvérsia, tendo interrompido a sua actuação, alegando aos juízes que o atacador de uma das botas dos patins estava partido. Foi autorizada a recomeçar mas nunca esteve na luta pelas medalhas. Ainda hoje a prova é uma das cinco transmissões desportivas mais vistas de sempre nos EUA.

Meses depois, Tonya Harding, Jeff Gillolly  e os seus cúmplices foram a tribunal. Tendo sempre alegado desconhecer as acções contra Kerrigan, Harding admitiria a sua culpa e foi condenada a três anos de pena suspensa e erradicada da patinagem. Os restantes arguidos foram condenados a prisão efectiva. Entre vários trabalhos para ganhar a vida após a polémica, Harding teve uma breve carreira como pugilista profissional entre 2002 e 2004. Kerrigan ainda competiu como profissional mas desde meados dos anos 90 que se dedica sobretudo à família (tem três filhos) e à sua fundação que apoia invisuais, inspirada pela sua mãe que é legalmente cega. Teve um pequeno papel no filme "Blades of Glory - A Glória dos Campeões".

O destaque e a controvérsia dos media americanos sobre esta controvérsia (que quase eclipsou a cobertura das outras modalidades) deu origem a um sketch do Saturday Night Live com a participação de Kerrigan onde um atleta interpretado por Rob Schneider afirma que tinha ganho a medalha de ouro no luge mas que ninguém sabia pois em vez de transmitirem a sua prova, a televisão passou os aquecimentos da patinagem. O caso também foi parodiado em "Seinfeld" quando uma artista com quem Jerry anda dá a mesma desculpa dos atacadores para interromper a sua actuação e referido no tema "Headline News" de Weird Al Yankovic, na sua paródia ao tema "Mmm Mmm Mmm" dos Crash Test Dummies. Também recordo-me de ter visto na TVI um telefilme sobre o escândalo que era parte documentário, parte reconstituição ficcionada, de título "Tonya & Nancy: The Inside Story". Curiosamente, o papel de Nancy Kerrigan foi interpretado por Heather Lagenkamp, famosa por interpretar outra Nancy, a protagonista de "Pesadelo em Elm Street".



Monólogo de Nancy Kerrigan em "Saturday Night Live":

         

"Headline News" Weird Al Yankovic:

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