por Paulo Neto
Por muito que não se queira admitir, foi o maior fenómeno no panorama discográfico português dos anos 90: a explosão de um género que pode ser fácil de identificar mas que é algo complexo de definir, como tal foi criado um termo algo simplista porém bastante prático, o Pimba. Era pois um termo vasto, abrangendo artistas oriundos do antigo nacional-cançonetismo (como Marco Paulo) a nomes da música brejeira (como Quim Barreiros). A chamada música pimba conheceu uma perfect storm em meados dos anos 90: com um mercado discográfico nacional mais próspero que nunca, com um público mais apto a consumir todos os tipos de géneros e produtos musicais e programas de televisão a servir de plataforma para a promoção dos artistas do género, sobretudo o Made In Portugal e o Big Show SIC, a música pimba rapidamente tornou muitos desses artistas em campeões de vendas e preencheu o imaginário nacional, tanto pelos adeptos como os ódios que gerou.
O apogeu do género verificou-se sensivelmente entre 1994 e 1998, embora conheça ainda hoje muito sucesso mas numa escala comparativamente menor.
Apesar do vasto número de artistas que conheceram a glória do boom da música pimba, podia-se dizer sem grandes discussões que havia um rei e uma rainha do género nesse espaço de tempo. O rei era Emanuel ou não fosse ele o autor do tema de 1995 que deu nome ao movimento. A rainha era Ágata, que alcançou esse estatuto essencialmente devido a uma trilogia de hits que contavam um drama trágico-conjugal.
Maria Fernanda Pereira de Sousa nasceu em Lisboa a 11 de Novembro de 1959. Lançou o seu primeiro disco em 1975, cujo título "Heróis Trabalhadores" não deixava margens para dúvidas quanto à temática. Ingressou depois no Curso de Artistas da Emissora Nacional e durante a década de 70, gravou o tema em português da "Abelha Maia", um dueto com Art Sullivan e formou o grupo Cocktail com Rita Ribeiro e Maria Viana. Nos anos 80, participou no Festival da Canção de 1982 com o tema "Vai Mas Vem" e foi a Doce suplente, substituindo Lena Coelho e Fá Padinha no grupo durante as gravidezes destas. Em 1986, adopta o nome artístico de Ágata (segundo ela por ser fã dos livros de Agatha Christie e depois de também considerar os stagenames Natacha e Romana, tendo a sua famosa sobrinha ficado com este último) mas é só em 1993, ao assinar com a editora Espacial, com o álbum "Perfume de Mulher" que conhece o êxito.
A faixa-título narrava o conto de Ágata a descobrir a traição da sua cara-metade através das diversas pistas, sobretudo o perfume da outra mulher. O tema rapidamente andou na boca de povo, que trauteava quer por gosto, quer na paródia (na altura, se alguém dissesse "Sai", teria provavelmente como resposta a cantoria "Sai da minha vida!"). Mas tão mítico como o tema era o videoclip que passava todos os domingos no "Made In Portugal", repleta de cenas famosas como Ágata a discutir com o marido, representado por um tipo de bigode (que pelo que me lembro chamava-se Óscar e era um dos músicos da sua banda) e dar-lhe uma chapada; Ágata ora a rasgar a foto do tipo de bigode ora a juntar os pedaços tipo puzzle; Ágata a definhar de depressão pós-separação numa elegante lingerie vermelha; e Ágata lavada em lágrimas, provavelmente por alergia, pois ou muito me engano ou o perfume da outra lambisgóia não devia ser Chanel N.º 5, mas sim algum desodorizante ranhoso.
O segundo tomo da trilogia surge em 1995, com a faixa que dá título ao novo álbum "Maldito Amor". Tanto na canção como no vídeo, Ágata faz as pazes com o tipo de bigode, mas a reconciliação parece desde logo condenada ao fracasso.
A parte final da trilogia aconteceu em 1997, com o álbum "Escrito no Céu" e o tema "Comunhão de Bens". Aqui, Ágata e o tipo de bigode estão em processo de divórcio litigioso e disputam a guarda do filho de ambos. De novo o vídeo ilustrava cabalmente a canção e incluía o tipo de bigode a levar mais uma chapada de Ágata (com o miúdo a ver), os dois no tribunal e splistcreens do petiz com a mãe e a passar os fins de semana com o pai. Mais uma vez, o refrão entrou na jukebox mental do povo e não havia quem não cantasse: "Podes ficar com as jóias, o carro e a casa, mas não fiques com ele..."
Claro que os hits de Ágata não se resumiam a esta trilogia e é há que também mencionar "Chora No Meu Colo", "Sou Mãe Solteira", "Escrito No Céu" e "Abandonada" (com que representou Portugal no Festival da OTI de 1997) a que mais tarde se juntaram, entre outros, "De Hoje Em Diante", "Sozinha" e "Conselho De Mãe". O apogeu da carreira de Ágata terminaria em 1998, não com um novo disco, mas sim com um novo parto, o do seu segundo filho Francisco, que a própria chegou a equacionar ser transmitido em directo na televisão. Mas mesmo sem o sucesso de outrora, Ágata continua bem activa tanto a gravar como a actuar pelo país fora, nas comunidades emigrantes e em programas de televisão (chegou a ter o seu próprio reality-show, "O Meu Nome É Ágata", exibido na SIC em 2002). Mas bastaria a sua mítica trilogia trágico-conjugal para ficar escrita a letras de ouro no imaginário cromo português.
Para terminar, eis um episódio da "Retroescavadora" da RTP Memória sobre a presença de Ágata em 1996 no programa "Todos Ao Palco", onde canta uma canção sobre sexo, acompanhada por um grupo de miúdos a dançar.
A tua análise faz todo o sentido, Miguel. Como eu próprio refiro no texto, a música ligeira na fase que tu chamas de Democracia é um género complexo de definir pois englobava quer as novas quer as antigas tendências, se bem que com o tempo os artistas da velha guarda, salvo Marco Paulo e pouco mais, tiveram que se adaptar a essas novas sonoridades e letras, sendo que alguns como Cândida Branca Flor não o conseguiram.
ResponderEliminarDe facto, o termo "música pimba" é demasiado simplista e é algo injusto classificá-lo como um género menor, pois tal como em todos os géneros, têm os seus bons e maus opus. É a tal questão dos rótulos, tornam as coisas mais fáceis de entender, mesmo que o conteúdo seja outro.