por Paulo Neto
Além de revolucionar o panorama televisivo no Portugal dos anos 90, a SIC desempenhou um importante papel numa pequena revolução no cinema nacional ao reconciliá-lo com o público. Mais de dez anos após o sucesso inesperado de "O Lugar do Morto", nenhum outro filme português tinha ainda visto as suas exibições serem acompanhadas do tilintar consistente das moedas nas bilheteiras. Apesar da qualidade e do reconhecimento internacional de algumas obras, a ideia que o público tinha do cinema português era de cinema aborrecido, hermético, mais virado para os umbigos dos realizadores e os elogios das elites artísticas do que para as atenções das massas. Por exemplo, se perguntássemos a algum tuga que palavra associaria ao mestre Manoel de Oliveira, provavelmente a maioria diria "seca".
Mas o panorama mudou com a estreia de "Adão & Eva" em 1995, um filme que provou conter todos os ingredientes certos: um elenco com vários nomes conhecidos encabeçado pelas duas nossas maiores estrelas internacionais de então, Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida; uma realização experiente e atenta de Joaquim Leitão; a banda sonora de Pedro Abrunhosa, no auge da sua fama; uma trama que falava de novos conceitos de relações amorosas e paternidade e de intriga nos bastidores da televisão; e a co-produção e toda uma eficiente campanha de marketing da SIC que suscitou a curiosidade do público.
A história é a seguinte: Catarina (Maria de Medeiros) é uma jornalista da SIC que cede às urgências do seu relógio biológico e decide ser mãe. O problema é que não só ela desiludiu-se com os homens, como está envolvida numa relação lésbica com a temperamental Tê (Ana Bustorff), relação essa que Catarina mantém em segredo para evitar um circo mediático. Durante uma reportagem em Espanha, Catarina conhece Rafael (Karra Elejalde), um médico activista espanhol e, decidindo que ele pode ser uma fonte de bons genes para o seu filho, acaba por seduzi-lo e engravidar dele, para desgosto de Tê, que reage mal tanto à gravidez da companheira como à forma como ela engravidou, acabando com a relação e prometendo infernizar-lhe a vida. Mais tarde, Catarina envolve-se com Francisco (Joaquim de Almeida), seu colega na apresentação de um novo programa chamado "Adão e Eva" e o namoro depressa se torna sério. Mas Rafael surge em Portugal para esclarecer a sua situação face a Catarina e à criança por nascer e Tê continua inconformada... Para não falar que Helena (Cristina Carvalhal), um ex-colega de Catarina e sua arqui-rival, toma conhecimento de todos os seus segredos de Catarina e não olhará a meios para a destruir. O elenco contava ainda com Rogério Samora, Júlio César, Marcantónio Del Carlo, Filipe Crawford e participações especiais de Margarida Marante, Ana Bola e Eládio Clímaco.
Com hype raramente visto à volta de um filme português, "Adão e Eva" acabou por ser um êxito comercial e também foi o vencedor absoluto das categorias de cinema na primeira edição dos Globos de Ouro. Mas quem não viu o filme no cinema, teve a oportunidade de o ver na televisão uns meses mais tarde, quando a SIC exibiu o filme em formato de mini-série de três episódios, com algumas cenas que não foram incluídas no filme. E foi nesse formato que eu vi "Adão & Eva".
Pessoalmente, não sendo mau filme, acho que fica um pouco aquém das expectativas criadas. Sobretudo acho que o argumento acaba por ser algo superficial, tornado as personagens demasiado caricaturais, e os assuntos abordados como a bissexualidade e as novas formas de paternidade podiam ter sido mais explorados, além de um recurso algo excessivo ao factor choque. Se bem que a mim não me tenha chocado aquilo que a muita gente apontou como principal defeito do filme que foi o excesso de palavrões. Aliás, raramente a linguagem profana soou tão sedutora como quando Joaquim de Almeida e Maria de Medeiros proferem as frases mais famosas do filme, durante uma cena de sedução:
Como já referi, como se já não houvesse toda uma parada de estrelas no filme, a banda sonora esteve a cargo de Pedro Abrunhosa, que aproveitaria aliás parte dela para o seu hit "Se Eu Fosse Um Dia O Teu Olhar", que seria ouvido pela primeira vez durante o genérico da mini-série.
Mas o maior mérito de "Adão & Eva" foi reconciliar o cinema português com o público e desde então têm sido poucos os anos onde não há pelo menos um filme português a fazer sucesso comercial. Por exemplo, ainda na década de 90, títulos como "Adeus, Pai", "Mortinho Para Chegar a Casa", "Corte de Cabelo", "Tentação", "Inferno", "Pesadelo Cor de Rosa" e "Zona J" registaram grande afluência do público.
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