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quinta-feira, 4 de julho de 2013

Humor de Perdição (1988)

por Paulo Neto

"Humor de Perdição" seria apenas mais um divertido programa de humor genialmente concebido por Herman José, na senda do humor semi-surreal e subversivo que já tínhamos visto em "O Tal Canal" e "Hermanias"...se não tivesse ficado para a história por ter sido alvo do maior acto de censura do audiovisual do Portugal pós-25 de Abril, apenas comparável à interrupção abrupta do filme "Pato com Laranja" em 1983 e à suspensão em 1987 do programa "Fisga" devido a uma rábula envolvendo o hino nacional por parte do actor João Grosso. 


Onze dos treze primeiros episódios da série foram transmitidos pela RTP entre 3 de Abril e 5 de Junho de 1988 no apetecível espaço das noites de Domingo. A história passava-se nos estúdios da "Produções Perdição", uma produtora que realizava programas de televisão e anúncios publicitários (que, tal como no "Tal Canal", parodiavam anúncios bem conhecidos da época). Herman José desdobrava-se em três personagens principais: Azevedo Perdição, o dono da produtora, o já bem conhecido José Estebes e a lendária Maximiana, a simples mulher do campo oriunda da Merdaleja, cujos gritos estridentes e repentinos testavam os limites das cordas vocais de Herman e os tímpanos dos telespectadores.





Aliás algumas das melhores cenas do programa eram aquelas que opunham Maximiana a uma das melhores personagens de Ana Bola, a Pureza de Madredeus Teixeira da Cunha. Herman foi categórico em afirmar que com a personagem Pureza, pretendia criticar os novos-ricos do Portugal pós-CEE que aterravam de pára-quedas no jet-set nacional e que tentavam a todo custo esconder as suas origens humildes. Ana Bola foi exímia em encarar esta personagem, que saiu da Merdaleja e casou com um homem rico, fazendo de tudo para esconder que Maximiana é a sua verdadeira mãe (e que o seu verdadeiro nome é Marisol).



Entre outras personagens contavam-se Berta (São José Lapa), a instável esposa de Azevedo; Porfírio (Virgílio Castelo) o cameraman com vários complexos freudianos e uma paixão assolapada pela madura anotadora Rosalina (Manuela Maria); Bentinho (Miguel Guilherme), filho de Rosalina, um autêntico fuinha que se envolve com Berta; e Almeida Garrett (Vítor de Sousa) que conduzia entrevistas a diversas personalidades históricas encarnadas por Herman José, o segmento alvo de toda a polémica. 

Do elenco ainda faziam parte nomes como Maria Vieira (Maria), Lídia Franco (Catarina), Rosa Lobato Faria (Cândida), Artur Semedo (Pato) e João Canto e Castro, o violinista que surgia nos locais mais inesperados. Outro gag recorrente eram os monólogos em voz off das personagens, sobretudo quando estavam sentados na sanita da casa de banho do estúdio. 


Cada episódio tinha também um convidado musical, que além de cantar, interagiam com as personagens e também passavam pelo mesmo confessionário sanitário. Foi o caso de nomes como Tony De Matos, Dora, Carlos Mendes, Adelaide Ferreira, João Braga e Sérgio Godinho. O segmento do programa apresentado por José Estebes passaram personalidades ligadas ao futebol como Valentim Loureiro, Rui Águas, Ribeiro Cristóvão e Marinho Peres.
Recordo ainda o sketch em Herman José imitou Mafalda Veiga a cantar o seu famoso hit "Planície", mais conhecido como "Pássaros do Sul" com os dejetos das respectivas aves a caírem-lhe em cima.

Como foi referido, o segmento das entrevistas históricas (numa primeira fase escritas por Miguel Esteves Cardoso, depois por Rosa Lobato Faria) em que Herman parodiava diversas figuras da História como D. Afonso Henriques e Florbela Espanca foi o que gerou mais controvérsia, com algumas altas instâncias do país a manifestarem o seu desagrado pela forma jocosa como eram retratadas essas figuras. 
E a 7 de Junho de 1988, catorze anos após o 25 de Abril, sem lápis azul mas com uma secura cortante, o sketch de uma entrevista à Rainha Santa Isabel é cortado do 11.º episódio (só se vê o momento em que a personagem de Manuela Maria entra em cena e pergunta se correu bem a entrevista) e logo depois o Conselho de Gerência da RTP anuncia a suspensão do programa, sem motivos claros, a não ser umas queixas de "alguns telespectadores" e alegações de que o programa atentava "contra os valores histórico-culturais do País". Foi uma das maiores polémicas envolvendo o maior humorista nacional e que durante algum espaço de tempo foi tido como persona-non-grata na RTP, com o seu programa seguinte, "Casino Royal" (1989), a só ser aprovado depois de todos os episódios gravados e editados. Herman teria de esperar pela "Roda da Sorte" para voltar a cair nas boas graças da RTP.  



Os dois últimos episódios de "Humor de Perdição" só foram transmitidos em 1996, no âmbito do programa "Herman Total" que passava em revista a sua carreira até então, incluindo a dita entrevista histórica à Rainha Santa. À luz de oito anos mais tarde e um país mais evoluído, a reacção unânime foi de que o sketch era inofensivo e que não justificava de maneira nenhuma a censura de que o programa foi alvo.

Excertos de episódios:













   

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