quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Trilogia trágico-conjugal de Ágata (1993-1997)

por Paulo Neto

Por muito que não se queira admitir, foi o maior fenómeno no panorama discográfico português dos anos 90: a explosão de um género que pode ser fácil de identificar mas que é algo complexo de definir, como tal foi criado um termo algo simplista porém bastante prático, o Pimba. Era pois um termo vasto, abrangendo artistas oriundos do antigo nacional-cançonetismo (como Marco Paulo) a nomes da música brejeira (como Quim Barreiros). A chamada música pimba conheceu uma perfect storm em meados dos anos 90: com um mercado discográfico nacional mais próspero que nunca, com um público mais apto a consumir todos os tipos de géneros e produtos musicais e programas de televisão a servir de plataforma para a promoção dos artistas do género, sobretudo o Made In Portugal e o Big Show SIC, a música pimba rapidamente tornou muitos desses artistas em campeões de vendas e preencheu o imaginário nacional, tanto pelos adeptos como os ódios que gerou.
O apogeu do género verificou-se sensivelmente entre 1994 e 1998, embora conheça ainda hoje muito sucesso mas numa escala comparativamente menor.

Apesar do vasto número de artistas que conheceram a glória do boom da música pimba, podia-se dizer sem grandes discussões que havia um rei e uma rainha do género nesse espaço de tempo. O rei era Emanuel ou não fosse ele o autor do tema de 1995 que deu nome ao movimento. A rainha era Ágata, que alcançou esse estatuto essencialmente devido a uma trilogia de hits que contavam um drama trágico-conjugal.


Maria Fernanda Pereira de Sousa nasceu em Lisboa a 11 de Novembro de 1959. Lançou o seu primeiro disco em 1975, cujo título "Heróis Trabalhadores" não deixava margens para dúvidas quanto à temática. Ingressou depois no Curso de Artistas da Emissora Nacional e durante a década de 70, gravou o tema em português da "Abelha Maia"um dueto com Art Sullivan e formou o grupo Cocktail com Rita Ribeiro e Maria Viana. Nos anos 80, participou no Festival da Canção de 1982 com o tema "Vai Mas Vem" e foi a Doce suplente, substituindo Lena Coelho e Fá Padinha no grupo durante as gravidezes destas. Em 1986, adopta o nome artístico de Ágata (segundo ela por ser fã dos livros de Agatha Christie e depois de também considerar os stagenames Natacha e Romana, tendo a sua famosa sobrinha ficado com este último) mas é só em 1993, ao assinar com a editora Espacial, com o álbum "Perfume de Mulher" que conhece o êxito.


A faixa-título narrava o conto de Ágata a descobrir a traição da sua cara-metade através das diversas pistas, sobretudo o perfume da outra mulher. O tema rapidamente andou na boca de povo, que trauteava quer por gosto, quer na paródia (na altura, se alguém dissesse "Sai", teria provavelmente como resposta a cantoria "Sai da minha vida!"). Mas tão mítico como o tema era o videoclip que passava todos os domingos no "Made In Portugal", repleta de cenas famosas como Ágata a discutir com o marido, representado por um tipo de bigode (que pelo que me lembro chamava-se Óscar e era um dos músicos da sua banda) e dar-lhe uma chapada; Ágata ora a rasgar a foto do tipo de bigode ora a juntar os pedaços tipo puzzle; Ágata a definhar de depressão pós-separação numa elegante lingerie vermelha; e Ágata lavada em lágrimas, provavelmente por alergia, pois ou muito me engano ou o perfume da outra lambisgóia não devia ser Chanel N.º 5, mas sim algum desodorizante ranhoso. 



O segundo tomo da trilogia surge em 1995, com a faixa que dá título ao novo álbum "Maldito Amor". Tanto na canção como no vídeo, Ágata faz as pazes com o tipo de bigode, mas a reconciliação parece desde logo condenada ao fracasso.



A parte final da trilogia aconteceu em 1997, com o álbum "Escrito no Céu" e o tema "Comunhão de Bens". Aqui, Ágata e o tipo de bigode estão em processo de divórcio litigioso e disputam a guarda do filho de ambos. De novo o vídeo ilustrava cabalmente a canção e incluía o tipo de bigode a levar mais uma chapada de Ágata (com o miúdo a ver), os dois no tribunal e splistcreens do petiz com a mãe e a passar os fins de semana com o pai. Mais uma vez, o refrão entrou na jukebox mental do povo e não havia quem não cantasse: "Podes ficar com as jóias, o carro e a casa, mas não fiques com ele..."

Claro que os hits de Ágata não se resumiam a esta trilogia e é há que também mencionar "Chora No Meu Colo", "Sou Mãe Solteira", "Escrito No Céu" e "Abandonada" (com que representou Portugal no Festival da OTI de 1997) a que mais tarde se juntaram, entre outros, "De Hoje Em Diante", "Sozinha" e "Conselho De Mãe". O apogeu da carreira de Ágata terminaria em 1998, não com um novo disco, mas sim com um novo parto, o do seu segundo filho Francisco, que a própria chegou a equacionar ser transmitido em directo na televisão. Mas mesmo sem o sucesso de outrora, Ágata continua bem activa tanto a gravar como a actuar pelo país fora, nas comunidades emigrantes e em programas de televisão (chegou a ter o seu próprio reality-show, "O Meu Nome É Ágata", exibido na SIC em 2002). Mas bastaria a sua mítica trilogia trágico-conjugal para ficar escrita a letras de ouro no imaginário cromo português.      

Para terminar, eis um episódio da "Retroescavadora" da RTP Memória sobre a presença de Ágata em 1996 no programa "Todos Ao Palco", onde canta uma canção sobre sexo, acompanhada por um grupo de miúdos a dançar.




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4 comentários:

  1. Eis a trilogia que tornou conhecida Ágata como a rainha da música ligeira portuguesa da "democracia".
    Tenho para mim que não existe nem "Nacional-cançonetismo" nem "Música Pimba". A música ligeira portuguesa conheceu três fases:
    1ª Fase - Estado Novo: fase em que a música popular portuguesa era caracterizada por composições tecnicamente elaboradas e de excelência, com letras que espelhavam os valores conservadores portugueses da época, e os valores reaccionários do Estado Novo também. Ambos eram interpretados por vozes fantásticas, que ficaram nos anais da história da música de referência portuguesa. Representantes: Maria Clara, Alberto Ribeiro, Luiz Piçarra, Maria de Lourdes Resende, Maria da Graça, Milú, Alice Amaro, Simone de Oliveira, António Calvário, Júlia Barroso, Madalena Iglésias, Artur Garcia, Maria José Valério, Mimi Gaspar, Tomé de Barros Queiroz, Cidália Meireles, Maria Sidónio, Max, Tony de Matos, Rui de Mascarenhas, Tristão da Silva, e outros tantos.
    2ª Fase - Crise: fase em que a música ligeira começou a ser criticada em todos os aspectos, e os artistas da música ligeira começaram a ser alcunhados de "fascistas" e "pidescos", para a sua fama ficar condenada.
    3ª Fase - Reestruturação: fase em que a música ligeira começa a ter mais liberdade e retoma o sucesso, com letras de conteúdo popular, mais animadas, e canções tecnicamente elaboradas, abordando todos os temas gerais. ALguns artistas ainda vem do estilo da 1ª fase, mas conhecem neste período o seu auge de carreira. Representantes: Carlos Paião, Dino Meira, Clemente, Marco Paulo, Nel Monteiro, Quim Barreiros, e outros tantos.
    4ª Fase - Democracia: fase em que a música ligeira passa a fazer sucesso com letras de 2º sentido, cujo teor nunca foi ordinário, mas desperta o lado mais perverso e mais humorístico dos portugueses. Mas continua muitas vezes a ser fiel aos padrões da antiga música ligeira portuguesa, com canções elaboradas por novos compositores, letras de variado estilo, e intérpretes de qualidade variada. Representantes: Ágata, Tony Carreira, Emanuel, Maria Lisboa, Graciano Saga, Mónica Sintra, Saúl, Miguel e André, e outros tantos.
    Hoje, a música ligeira esta a viver uma fase de Marginalização, em que todos aqueles que estão nas esferas do poder, ou estão ligados a tal, querem proibir a transmissão e divulgação de toda a música ligeira portuguesa, seja da Maria Clara, seja da Ágata. Muitos não sabem entender que a música ligeira é um modelo de música igual a todas as outras, em que há pessoas que gostam, há pessoas que adoram, como eu, e outras que não gostam. E diz o ditado popular, quem não gosta, não estraga.
    Ainda me lembro de que, quando tinha dois anos, e via o programa "Made In Portugal", um dos melhores programas divulgadores da música ligeira portuguesa de sempre, depois dos da Cidália Meireles, quando actuava a Ágata eu esticava-me todo, segundo diz a minha mãe.
    Trata-se de uma das melhores artistas da música ligeira nacional, ao lado de Maria Clara, ou de Maria Lisboa, segundo a minha opinião. Quem estiver contra, paciência. A liberdade deve ser aproveitada até às últimas.

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    1. A tua análise faz todo o sentido, Miguel. Como eu próprio refiro no texto, a música ligeira na fase que tu chamas de Democracia é um género complexo de definir pois englobava quer as novas quer as antigas tendências, se bem que com o tempo os artistas da velha guarda, salvo Marco Paulo e pouco mais, tiveram que se adaptar a essas novas sonoridades e letras, sendo que alguns como Cândida Branca Flor não o conseguiram.
      De facto, o termo "música pimba" é demasiado simplista e é algo injusto classificá-lo como um género menor, pois tal como em todos os géneros, têm os seus bons e maus opus. É a tal questão dos rótulos, tornam as coisas mais fáceis de entender, mesmo que o conteúdo seja outro.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Caro amigo, obrigado pela resposta, e faço minhas as suas palavras.
      Aliás, o insucesso de Cândida Branca Flor deveu-se não só à inadaptação das novas sonoridades, pois ainda há artistas que não se adaptaram ao modelo actual, e ainda continuam a fazer sucesso, como é o caso de Maria José Valério, mas também ao facto de muitos empresários acharem-na demasiado velha, e a maioria crivarem-na de dívidas, dívidas essas que levaram-na ao triste fim na Ponte Salazar, actual Ponte 25 de Abril.
      Um abraço.

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