sábado, 23 de novembro de 2013

Gente Fina É Outra Coisa (1982-83)

por Paulo Neto

Depois de ter posto Portugal a rir em 1981 com o mítico "Sabadabadu", César Oliveira voltou à carga no ano seguinte criando uma das melhores sitcoms portuguesas de sempre, "Gente Fina É Outra Coisa". O elenco, tão luxuoso que se fosse um hotel seria o Ritz, seria suficiente para garantir a qualidade da série, mas a verdade é que, graças à oportunidade de revê-la de novo na RTP Memória, confirma-se que o humor tem resistido à passagem do tempo.



Com 12 episódios originalmente exibidos na RTP entre 5 de Novembro de 1982 e 28 de Janeiro de 1983, a série contava as desventuras da mui nobre família Penha Leredo y Solomon Bentorrado Corvelins. A família vive numa outrora luxuosa mansão familiar, agora a cair aos bocados, e vê-se à beira da falência. Para resolver o problema, decidem transformar a mansão numa estalagem de luxo em que os hóspedes terão a oportunidade de conviver com "gente fina". Para evitar que Dona Matilde (Amélia Rey Colaço), a matriarca da família, saiba dos planos, que certamente lhe fariam morrer de choque e desgosto, os seus familiares inventam que os hóspedes que chegam à mansão Penha Leredo são primos de ramos afastados da família e fazem tudo para que ela não saia do seu quarto.



Os restantes membros da família são: Afonso (Carlos César) o único membro da família que trabalha e que tem a ideia de transformar a mansão em estalagem; Guilherme (Ruy de Carvalho) fanático pela aeronáutica que se entretém em simular voos numa carcaça de avião; Piedade (Luísa Barbosa), uma viúva antipática, sensaborona e orgulhosa; Isabel (Margarida Carpinteiro), filha de Piedade, uma solteirona bem disposta; Leonor (Simone de Oliveira), a segunda mulher de Guilherme; Tiago (Luís Esparteiro), filho do primeiro casamento de Guilherme, secretamente atraído pela madrasta; Marta (Filipa Trigo), filha de Guilherme e Leonor, herdou o lado pragmático do tio Afonso. Os fiéis criados da família são Emília (Mariana Rey Monteiro), a cozinheira, principal confidente de D. Matilde e Horácio (Nicolau Breyner) o mordomo que apesar da sua dedicação aos patrões, nunca se faz rogado em lhes mandar umas bocas. Eram precisamente Emília e Horácio quem durante anos sustentaram a família com as suas economias e é precisamente por estas se terem esgotado que Afonso sugere o plano do turismo à família, com Isabel, Tiago e Marta também a fazerem de criados e os restantes membros a fazerem de anfitriões. Para tal contam com a ajuda de António Cavalheiro (Luís Pavão), o dono da agência que recruta hóspedes para a mansão. Ah! Falta falar na Ludovina, a cabra de estimação dos Penha Leredo e que por vezes os mete em encrencas.


Interpretando os papéis dos hóspedes que se instalam na mansão estavam nomes como Fernanda Borsatti, António Montez, José Jorge Duarte, Carlos Wallenstein, Lídia Franco, Tozé Martinho, Rosa Lobato Faria, Varela Silva e a brasileira Betty Faria. Mas o episódio mais famoso será aquele que contava com a participação de Ivone Silva no papel de Madame Estrelita, uma falsa vidente que se recusa a sair da mansão e que se convence que tem poderes reais ao confundir Dona Matilde com um fantasma. O resto da família decide então disfarçar-se de fantasmas para a afugentar.



No último episódio ficava-se a saber que Dona Matilde não era tão ingénua como todos pensavam: não só esteve sempre a par dos planos da família e da origem dos diversos "primos" que os visitavam, como consegue ganhar bastante dinheiro para a família, ludibriando uns descendentes dos Romanoff viciados no jogo com um baralho viciado.        



Como eu só tinha dois anos quando a série foi exibida pela primeira vez, só me lembro de vê-la durante as suas reposições em 1986, 1990 e 1994. Na altura o que achava mais divertido era o genérico que começava com uma música suave e um plano de Horácio a executar uma tarefa qualquer, para sem mais nem menos desatar numa guitarrada rock e planos repentinos e sucessivos da cabra Ludovina e dos quadros do cenário. A premissa da série tinha o seu quê de premonitório pois embora tivesse sido originalmente exibida numa altura em que o país passava por dificuldades financeiras, caracterizava toda uma classe de novos-ricos surgida essencialmente após a adesão de Portugal à CEE, ansiosa de "apagar" as suas origens mais plebeias, de adquirir algum status nobiliárquico e de ser vista como gente fina. 





Com um argumento divertido e um excelente desempenho do elenco (quase todo recém-saído da telenovela Vila Faia), "Gente Fina É Outra Coisa" ficou para a história da teledramaturgia nacional. E para muitos, foi a única oportunidade de conhecer essa lenda do teatro português que foi Amélia Rey Colaço, naquele que foi o seu único trabalho em televisão, e que aos 84 anos conseguiu demonstrar todo o seu talento.

Excerto do 5.º episódio "Dona Estrela" com Ivone Silva:


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3 comentários:

  1. Uma das melhores séries portuguesas de sempre!
    Recentemente vi a sua reexibição na RTP/Memória, e adorei completamente.
    Decididamente que o episódio mais famoso foi o da grande Ivone Silva, a Maior Actriz do Teatro de Revista de Sempre, que conseguiu superar as lendárias rainhas do teatro de revista Hermínia Silva, Mirita Casimiro, Beatriz Costa e Laura Alves. Hoje, mesmo sendo actualmente a Marina Mota a Rainha do Teatro de Revista da actualidade, ninguém conseguiu, e ninguém conseguirá preencher o lugar vazio deixado por Ivone Silva.
    Adorei o excelentíssimo desempenho de Amélia Rey Colaço, que ficou para sempre marcado na minha retina, e já tinha conhecimento do que ela representou para a história do teatro português, sendo ela, ao lado de Laura Alves, Palmira Bastos, Emília de Oliveira, Lucília Simões, Eunice Muñoz e da sua filha Mariana Rey Monteiro, uma das senhora do nosso teatro.
    Quando vi o último episódio, em que me fartei de rir com o final, a minha mãe disse-me: "Nem faço ideia como o Nicolau Breyner sentiu, ao sair de mão dada com a Senhora Amélia Rey Colaço", ao que eu respondi: "Como o Nicolau ficou, e como os outros todos também ficaram".
    Foi a primeira vez que esta gigante apareceu nos ecrãs da TV, e ainda hoje os actores que participaram nesta série, principalmente a Margarida Carpinteiro, recordam com entusiasmo a experiência vivida com esta grande actriz, que mesmo com a idade que tinha, continuava com mais saúde do que eles todos. Hehehe.
    Agora, ando a ver a série "Allô Allô" na RTP/Memória, e a minha mãe disse-me que a personagem da sogra de René, desempenhada pela excelente actriz inglesa Rose Hill, fez-lhe lembrar de imediato a Amélia Rey Colaço. Talvez a RTP se tenha baseado nesta personagem para fazer esta série, ou talvez a BBC vice-versa.
    Adorei o mordomo, com aquela pose toda, adorei a cabra dos Penha Leredo, e os restantes personagens também me entusiasmara, com um argumento deveras hilariante, tudo suficiente para que esta série ficasse marcada para sempre na história da TV portuguesa como um dos melhores programas de sempre.

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    1. Pessoalmente não sei dizer se a Ivone Silva foi melhor que as outras actrizes que tu apontas, pois cada uma delas teve o seu auge em períodos diferentes, cada um com as suas características. Tal como hoje é difícil dizer se o Cristiano Ronaldo é melhor do que o Eusébio, o futebol de hoje já nada tem a ver com o dos anos 60. Mas sem dúvida que Ivone Silva foi uma das melhores actrizes que este país alguma vez teve e partiu cedo demais deste mundo. Acho que se ainda estivesse viva hoje, havia de destilar talento aos rodos no teatro e na TV.
      Esta série é de 1982 pelo que é anterior ao Allo Allo que começou em 1985, pelo que se houve quem retirou a inspiração foram os britânicos da personagem da Amélia Rey Colaço. Como um dos autores costumava passar férias no Algarve, às tantas até assim foi. Curiosamente a actriz Rose Hill era apenas dez anos mais velha que Carmen Silvera, a actriz que fazia de sua filha, e até faleceu depois desta.

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    2. Caro amigo, não há problema. Cada um tem a sua opinião, e a sua até tem todo o sentido de ser. Ao fim e ao cabo, cada personalidade foi a melhor na sua época, e por isso os seus nomes ficam na nossa história. Também estou de acordo que ela partiu cedo demais, e não sou o único a pensar assim.
      A RTP, quando homenageou a Ivone do programa "Falar de Ivone Silva" de Linda Silva, sua irmã, e de Morais e Castro, ouviu-se a opinião de variados portugueses, que chegaram a dizer que ela deveria viver o dobro dos anos que ela viveu, para alegrar Portugal. E se ela estivesse viva hoje, é como diz, não faltaria talento destilado por ela na TV e no teatro.
      Em respeito ao "Allô, Allô", obrigado pelas preciosas informações cedidas, e verdadeiramente curiosas e interessantes.

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